O Supremo Tribunal Justiça (“STJ”) proferiu, no passado dia 13 de fevereiro de 2025, o primeiro acórdão numa ação cível de indemnização por danos causados por práticas anticoncorrenciais, no âmbito do caso conhecido como “Cartel dos Camiões” (Processo n.º 54/19.6YQSTR.L1.S1 – 2.ª Secção).
Em 2016 e 2017, a Comissão Europeia aplicou coimas a diversos fabricantes de camiões (nomeadamente, MAN, Volvo/Renault, Daimler, Iveco e DAF) por participação num cartel para coordenação de preços de camiões médios e pesados e outras condições comerciais sensíveis, que terá compreendido todo o território do Espaço Económico Europeu, ao longo de 14 anos.
Nessa sequência, ao abrigo da Diretiva do Private Enforcement (Diretiva 2014/104/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro), transposta para o ordenamento jurídico português através da Lei n.º 23/2018, de 5 de junho (que dispõe sobre o direito de indemnização por infração ao direito da concorrência, conhecida como Lei do Private Enforcement), diversas empresas portuguesas que adquiriram camiões das marcas dos fabricantes condenados pela Comissão intentaram ações cíveis de indemnização para reparação dos danos causados pelo cartel.
O referido acórdão do STJ, proferido no âmbito de ação instaurada contra um dos fabricantes de camiões em questão, confirmou a decisão recorrida do Tribunal da Relação de Lisboa (“TRL”) sobre duas questões especialmente relevantes, que impactam a determinação do valor do dano causado por práticas anticoncorrenciais, nomeadamente (i) sobre se é, ou não, permitido cumular o aumento do montante indemnizatório decorrente da desvalorização da moeda com os juros de mora legalmente devidos e (ii) sobre a estimativa do potencial aumento de preço (sobrecusto) gerado pela infração, correspondente ao montante do dano.
Quanto à primeira questão, o STJ concluiu que os juros de mora, porque exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária, contemplam, em si mesmos, a atualização do montante indemnizatório. Desta maneira, não pode ser cumulada uma atualização da indemnização pela inflação com o pagamento de juros de mora.
Relativamente ao sobrecusto gerado pela infração, o Tribunal de primeira instância havia considerado provado que o aumento de preço na aquisição dos camiões era de, aproximadamente, 15,4% por veículo.
Em sede de recurso desta decisão, o TRL concluiu que, apesar de ter ficado provada, por presunção judicial, a existência de um sobrecusto (ou seja, do dano), a exata quantificação do mesmo não tinha sido demonstrada. Como tal, procedeu a uma estimativa judicial, fixando o sobrecusto em 5% do preço de venda de camiões efetivamente pago pelos demandantes, tendo em conta, para o efeito, decisões proferidas por outros tribunais europeus no âmbito do mesmo cartel, em particular decisões do Tribunal Supremo de Espanha.
O STJ confirmou o entendimento do TRL, considerando que a utilização de uma presunção judicial para determinar a existência de um sobrecusto (dano) tinha respeitado os parâmetros legais aplicáveis e que a estimativa de 5% estava fundamentada num juízo equitativo e razoável, nomeadamente por, na ausência de referente na jurisprudência nacional, se ter baseado na percentagem arbitrada em precedentes similares noutras jurisdições.
Este acórdão é relevante por ser o primeiro emitido pelo STJ no âmbito de um processo de indemnização por danos causados por práticas anticoncorrenciaisem Portugal após a adoção da lei de transposição da Diretiva do Private Enforcement, constituindo, portanto, a referência mais atual disponível para os interessados em ações desta natureza relativamente ao cálculo de uma potencial indemnização por cartel, em particular quando a concreta percentagem de sobrecusto não for demonstrada e o tribunal tiver de proceder a uma estimativa judicial.