Foram publicadas, na última semana, as novas orientações da Autoridade da Concorrência (AdC) que estabelecem a metodologia a utilizar na aplicação de coimas (“Linhas de Orientação sobre coimas”), no âmbito de processos contraordenacionais por infração às normas de defesa da concorrência estabelecidas pelo regime jurídico da concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, doravante “RJC”), e aos artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
As novas Linhas de Orientação sobre coimas, assim como outros instrumentos recentemente aprovados pela AdC, foram publicadas no seguimento da nova redação dada ao RJC pela Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto (diploma que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a chamada “Diretiva ECN+”, do Parlamento Europeu e do Conselho, que visa atribuir às autoridades de concorrência competência para aplicarem de forma mais eficaz as normas de defesa da concorrência).
Segundo as novas Linhas de Orientação sobre coimas, as etapas a serem seguidas para a determinação da coima aplicável por infrações ao direito da concorrência (determinação do montante de base; ajustes ao montante de base após verificação de circunstâncias agravantes e atenuantes; e determinação concreta da coima) continuam as mesmas. As alterações ocorrem, no entanto, relativamente à apreciação dos fatores relevantes a considerar em cada uma dessas etapas.
Relativamente à etapa 1 de determinação do montante base, foram feitas alterações quanto ao uso da duração da infração como fator multiplicador (para os casos em que a metodologia de cálculo se baseia no volume de negócios da empresa relacionado com a infração). Até aqui, cada ano de duração da infração tinha o peso equivalente a 1. Com as novas Linhas de Orientação, após o 5.º e até 10.º ano, inclusive, haverá uma redução do peso de cada ano, enquanto a duração a partir do 10.º ano será desconsiderada para efeitos de cálculo.
Ainda neste contexto, relativamente às infrações especialmente graves (nomeadamente, práticas concertadas e práticas unilaterais abusivas de exclusão ou de criação de barreiras à entrada no mercado), o intervalo da percentagem da fração adicional do volume de negócios relacionado com a infração a incluir no montante de base da coima, anteriormente fixada num patamar compreendido entre 15% e 25%, foi atualizada para entre 15% e 30%. Ou seja, houve um agravamento considerável da fração adicional a incluir no montante de base nestas circunstâncias.
Quanto à etapa 2 do cálculo da coima (ajustes ao montante base), no que tange às circunstâncias consideradas agravantes, especificamente quanto à reincidência em práticas restritivas da concorrência, foi estabelecido um limite temporal contado nos mesmos termos do prazo de prescrição, na valoração do respetivo antecedente para efeitos de reincidência.
O novo texto das orientações também passou a prever-se um limite (antes inexistente) para a percentagem de aumento ou redução do montante de base da coima em função da verificação de circunstâncias agravantes ou atenuantes, tendo sido fixado em 50% para o primeiro caso e 50% ou mais para o segundo.
Por fim, quanto à etapa 3 (determinação concreta da coima), que compreende a avaliação de proporcionalidade da coima calculada nos termos das duas primeiras etapas, a AdC densifica com maior detalhe os indicadores a que atenderá para a avaliação de uma eventual situação de incapacidade de pagamento da coima, explicitando que deverá ser avaliada inclusivamente a capacidade dos detentores do capital da empresa visada para suportar o respetivo montante, sendo considerados para tanto apenas aqueles que detenham 90% ou mais do capital social.
De destacar que, segundo a AdC, as novas Linhas de Orientação sobre coimas aplicam-se aos processos de contraordenação cujo inquérito seja aberto após a sua entrada em vigor. Para os processos já em curso, abertos na sequência da entrada em vigor das alterações à Lei n.º 19/2012 introduzidas pela Lei n.º 17/2022 (ou seja, após 16 de setembro de 2022), aplicar-se-ão as linhas de orientação sobre coimas publicadas em 2012, devidamente adaptadas, de forma a refletir tais alterações.
Segundo a AdC, pretende-se com esta versão revista das Linhas de Orientações sobre Coimas, entre outros propósitos, tornar mais claro o procedimento e a metodologia utilizados pela Autoridade no cálculo das coimas e não a determinação prévia e exata destas, assumindo-se a existência de um certo grau de discricionariedade no exercício de determinação das coimas, em face da necessidade de uma análise casuística.
As empresas, associações de empresas e pessoas singulares que incorram em infrações às normas de defesa da concorrência estão sujeitas a coimas, que, nos termos do RJC:
(i) no caso de empresas, não podem exceder 10% do volume de negócios total, a nível mundial, realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final proferida pela AdC, pelo conjunto de pessoas jurídicas que integrem cada uma das empresas infratoras;
(ii) no caso de associações de empresas, não podem exceder:
a) 10% do volume de negócios total, agregado, a nível mundial, do conjunto de pessoas que integrem as empresas associadas que exerçam atividades no mercado afetado pela infração, caso esta esteja relacionada com as atividades das empresas associadas;
b) 10% do volume de negócios da associação de empresas, caso a infração não esteja relacionada com as atividades das empresas associadas;
(iii) no caso de pessoas singulares, não podem exceder 10% do respetivo rendimento do trabalho, incluindo rendimento empresarial e profissional, bruto anual, no último ano completo em que se tenha verificado a prática proibida.