Foi publicada, no Boletim da República de Moçambique, a Resolução n.º 1/2025, de 31 de março, da Autoridade Reguladora da Concorrência (“ARC”), que aprova o Regulamento do Regime de Clemência. Nos termos da referida Resolução, o Regulamento entrou em vigor de imediato.
A existência de um regime de clemência em Moçambique já estava prevista no Regulamento da Lei da Concorrência, aprovado pelo Decreto n.º 97/2014, de 31 de dezembro, mas não se encontrava regulamentada até ao momento. Nos termos deste diploma, a ARC encontrava-se obrigada a publicar um Regime de Clemência que permitisse a redução das multas aplicadas a empresas ou indivíduos, desde que estes colaborassem na identificação dos demais envolvidos na infração e na obtenção de informações e documentos que comprovem a infracção sob investigação.
O regime da clemência agora regulamentado pela ARC aplica-se:
Face ao conceito de prática anticoncorrencial vertido na Lei da Concorrência, para o qual implicitamente se remete, o regime aparenta ser também aplicável a práticas unilaterais (abuso de posição dominante) quando o pedido de clemência seja formulado não estando ainda pendente processo contravencional. Trata-se de um traço distintivo do sistema moçambicano por comparação com outros sistemas, designadamente o português (no qual tem inspiração), em que a clemência está disponível apenas para acordos com dimensão horizontal.
A elegibilidade de um infrator para o regime de clemência depende da verificação de um conjunto de pressupostos cumulativos, entre os quais a confissão da participação na prática ilícita e a cooperação plena e permanente com a ARC durante o processo, a cessação completa e imediata da prática ou do respetivo envolvimento na infração até ao momento da apresentação do pedido de clemência (exceto, mediante autorização expressa, nos casos em que a cessação pudesse resultar em inconvenientes para a eficácia da investigação) e a inexistência ou insuficiência das provas em poder da ARC.
Noutro traço distintivo por comparação com outros sistemas (como o português ou da União Europeia), em que o pedido de clemência pode resultar numa total dispensa de sanção pecuniária, no sistema moçambicano um pedido de clemência apenas pode conduzir a uma redução das multas aplicáveis.
Assim, os infratores que preencham todas as condições para o efeito podem beneficiar das seguintes reduções nos valores das multas:
a) redução de 50 a 70% do valor da multa, para a primeira empresa;
b) redução de 30 a 50% do valor da multa, para a segunda empresa;
c) redução de 10 a 30% do valor da multa, para a terceira empresa.
Os requerentes de clemência são enquadrados nos patamares de redução da coima de acordo com a regra da precedência na apresentação do pedido de clemência. No entanto, se a ARC concluir que as informações e provas apresentadas por uma empresa são irrelevantes, desqualifica-a, podendo conceder a redução à empresa que tiver apresentado informações e provas de valor adicional significativo imediatamente após a empresa desqualificada.
O processo de clemência tem início a pedido de empresa requerente, que deve ser acompanhado de informações e provas de valor adicional significativo, isto é, de elementos probatórios que, pela sua natureza e/ou nível de pormenor, reforcem a capacidade da ARC provar a alegada infração por comparação aos elementos já em posse da ARC.
O pedido de clemência a apresentar junto da ARC deve conter, para além da identificação precisa do requerente, uma descrição precisa e detalhada dos elementos da infração, incluindo a identificação das empresas e pessoas envolvidas, a indicação de quaisquer outras informações relevantes para o pedido de clemência e a apresentação dos meios de prova que o requerente tenha ao seu dispor, privilegiando-se os documentos e informações mais atualizados ou contemporâneos com a infração.
Após receção do pedido de clemência, a ARC procede a uma avaliação preliminar e, caso conclua que os elementos de prova apresentados têm valor adicional significativo, informa o requerente da intenção de lhe conceder uma redução do montante da multa aplicável, indicando, de forma condicional, o intervalo de variação percentual em que se enquadra. O valor exato da redução a conceder, caso haja lugar à mesma, é revelado na decisão final do processo contravencional.
Para decidir o valor de redução da multa a atribuir, a ARC tem em conta a duração da infração ou da participação do requerente de clemência na mesma, o valor probatório da informação e documentos apresentados, o grau de participação do requerente na infração, os atos praticados com vista à cessação da infração, a dimensão e condição económica e financeira das empresas e dos indivíduos envolvidos na infração e o grau de colaboração prestado durante o processo.
Quando conclua que a informação e provas apresentadas são insuficientes, a ARC pode, a qualquer momento, cessar o processo de redução da multa, caso em que devolverá ao requerente os elementos fornecidos.
O pedido de clemência e toda a informação submetida no âmbito do mesmo são classificados como confidenciais, não podendo ser disponibilizados a terceiros, salvo nos casos especificamente exigidos por lei.
Os regimes de clemência são expedientes processuais comuns nas legislações de concorrência de diversas jurisdições. Frequentemente, as práticas anticoncorrenciais revestem-se, pelas suas próprias características e modos de implementação, de natureza secreta, sendo, por isso, de muito difícil deteção pelas autoridades de concorrência. A possibilidade de redução das multas (e, nalguns países, a respetiva dispensa total) constitui um incentivo a que as empresas revelem a sua participação numa prática anticoncorrencial, por diminuir o risco de aplicação de multas de valor superior, assim contribuindo para que as autoridades de concorrência possam detetar tais práticas e, consequentemente, aplicar as normas de defesa da concorrência de forma mais efetiva.