O momento que o sistema financeiro vive deixa-me, enquanto português, muito perplexo. Compreendo as medidas de reajustamento a que os balanços da nossa banca foram submetidos, porém há algo que tem que ser compreendido e equacionado a par do estrito cumprimento do enquadramento jurídico prudencial. A presença da banca portuguesa nos sistemas financeiros lusófonos é não só estratégica em termos portugueses (tornada numa das vertentes essenciais da nossa já débil soberania) mas até europeus.
Quem cegamente se esquecer de não valorizar este elemento seja no interface com os reguladores sectoriais nacionais, seja europeus ou daqueles países, contribuirá para o alienar de algo que constitui, ainda, uma das vantagens competitivas do nosso País e seus interesses no universo lusófono não brasileiro. Daí ser essencial permitir que se segreguem com urgência as participações das instituições financeiras portuguesas em congéneres nos PALOP donde, a não fazê-lo, seremos (ironia máxima) substituídos por bancos sul-africanos muitas vezes pertença de bancos europeus...
Só assim conseguirão os bancos locais operar e contribuir para as economias dos países em que se encontram. É um imperativo não perder tal presença que, aliás, corresponde igualmente a uma outra presença a nível operativo e de recursos humanos que sofrerá igualmente com tal tendência. A banca portuguesa tem feito um esforço espantoso para garantir a sua sobrevivência. Sou dos que, congratulando-me com a presença ainda de algumas escassas instituições financeiras internacionais (mais de dezena e meia deixou o nosso mercado nos últimos anos), não gostariam de ver reduzido o sistema financeiro português a três ou quatro bancos internacionais não portugueses.
O que está a ocorrer implicará a destruição da banca nacional e o que é igualmente pernicioso, um contributo para a perda irreparável da presença portuguesa nos PALOP. Tal só vai ao encontro da tese da manutenção da Caixa Geral de Depósitos em mãos públicas na totalidade do seu capital. Sou dos que defendem que uma parcela minoritária do capital da CGD deveria ser privatizado, tão logo as condições de mercado o permitam. Ganhávamos em termos de dimensão, na qualidade da governance e muito fortaleceríamos a sua base de capital. É tempo de olhar para o mundo que nos rodeia e, sem fundamentalismos nem ingenuidades, perceber que o sistema financeiro é uma peça essencial da credibilidade do mercado que pretendemos ver estabilizar e do funcionamento da economia que queremos ver crescer. No que de estratégico se torna vital para o nosso Portugal, urge levantar a voz e lutar contra o imobilismo ou a inércia complacente que pretende ignorar o que inevitavelmente acontecerá se continuarmos no caminho até aqui trilhado.
Há opções que as limitações e facilitismos tecnocráticos têm vindo a comprometer. É só percorrer exemplos históricos e revisitar os últimos 40 anos em Portugal - economia e banca destruídos com as nacionalizações e desmando pós-revolucionário, logo após três resgates, programa de privatizações equacionado questionavelmente e com preocupação exclusiva de encaixe (a fim de corresponder ao obsessivo cumprimento de requisitos das integrações europeia e monetária) e finalmente o drama das cumplicidades e concertações com grupos ditos defensores dos interesses nacionais. Um triste percurso que não queremos perpetuar. Acredito na pujança e realismo das classes política, empresarial e laboral portuguesas e na virtuosidade do universo lusófono para prosseguir um rumo estratégico consistente para o nosso País no séc. XXI. Este é o imperativo para os que nos governarão no futuro próximo.
Pedro Rebelo de Sousa, Senior Partner da SRS Advogados
In Expresso, 14/11/2015