A convicção é do presidente do Círculo de Advogados de Contencioso, Soares Machado, que acredita que a conferência "Diálogos Magistrados - Advogados", que o Círculo organiza esta sexta-feira, dia 5, em Cascais, poderá melhorar o ambiente e o conhecimento entre as duas profissões. No centro da discussão estará a reforma do processo civil.
Advocatus | Quais os objetivos da conferência "Diálogos Magistrados - Advogados"?
Soares Machado | Esta conferência servirá como importante momento de retrospectiva sobre a actividade judiciária na área civil e comercial, após dois anos importantes para os advogados e magistrados, com a entrada em vigor da tão esperada reforma do Processo Civil. O que mudou realmente? Ajustámos a lei às verdadeiras necessidades sentidas ou estamos ainda num momento de viragem? Como encaramos os desafios do novo Código, que implicam uma mudança de mentalidades e comportamentos por parte dos actores judiciários? Estas e muitas outras questões foram colocadas pelo Círculo de Advogados de Contencioso, que realizou nos últimos anos um conjunto alargado de workshops a propósito da reforma do Processo Civil. Agora está no momento de nos juntarmos todos e voltar a reunir e refletir em conjunto.
Entendo que esta reflexão deve ser feita em conjunto e não de costas voltadas. É aliás uma iniciativa inédita em Portugal. Raramente ou nunca se juntaram juízes e advogados para discutir entre si a forma de estar e agir no tribunal. O objetivo é melhorar o ambiente entre as duas profissões e o conhecimento que cada uma tem dos problemas da outra.
Advocatus | Entre os temas em análise na conferência, quais os que destaca?
SM | A conferência cobre as quatro grandes áreas dentro das quais se desenvolve o processo civil: a discussão escrita inicial; a audiência de saneamento e definição da prova; a audiência de discussão oral e julgamento; e a decisão final e os recursos.
Trata-se de colocar os juízes e os advogados a explicar frontalmente o que pensam da forma como cada um interpreta e executa as normas legais. Pô-los a falar uns com os outros, a discutir ideias e conceitos, a analisar como cada um acha que deve ser feito um articulado ou uma alegação, como deve ser feita uma decisão ou como devem interagir uns e outros nas audiências. Os articulados são demasiado longos? O que devem incluir e o que não devem? E a sentença devia ser mais curta? O que se espera do advogado na audiência prévia? Como se espera que ajam os juízes em julgamento?
A amplitude de poderes processuais no novo Código justifica mais do que nunca a discussão destes temas. E é preciso que cada um compreenda as dificuldades práticas próprias da outra profissão.
Advocatus | De que forma poderia melhorar a relação entre advogados e magistrados?
SM | Existe uma grande incompreensão de parte a parte. Muitas vezes porque cada um conhece mal as dificuldades de atuação dos outros. Nos workshops do ano anterior, e agora nesta conferência, o Círculo procura criar um lugar neutro em que a discussão esteja focada em duas vertentes: uma mais técnica que é a reforma do PC; outra mais estratégica, que é forma como se executa o trabalho próprio. Interessa-nos sobretudo ouvir os juízes e interessa-nos que eles nos ouçam. A aproximação entre todos promove mais entendimento, o que gera mais consensos e, inevitavelmente, conduz a um melhor funcionamento da Justiça.
Advocatus | Quais os principais desafios que se colocam atualmente aos advogados de contencioso?
SM | O Círculo congrega em si advogados de barra com muitos anos de prática integrada em grandes sociedades de advogados, como responsáveis dos respetivos departamentos de contencioso, o que quase todos os associados são, mas muitos têm igualmente uma larga experiência anterior de prática individual mais tradicional. Todos fizemos a nossa carreira profissional marcada por um quotidiano de intervenção na barra do tribunal, em que a pasta e a toga estiveram sempre bem presentes na nossa vida.
As sucessivas mudanças na lei foram acontecendo mas a nossa prática ética e técnica não se modificaram. O maior desafio é mantermo-nos firmes nas boas práticas e elevarmos bem alto o padrão de qualidade.
Advocatus | Como observa a reforma do processo civil?
SM | O Círculo deu oportunamente o seu parecer, por escrito, e também oralmente na AR. Discordámos de algumas modificações e concordámos com outras. Mas isso agora já não importa. A lei está em vigor, o que interessa é entendermo-nos sobre qual a melhor forma de a aplicarmos.
Advocatus | Já se conseguem perceber alguns benefícios desta reforma nos tribunais?
SM | É cedo. Não há nenhuma lei que consiga mudar a realidade de um dia para o outro. A mudança tem de ser cultural. Temos de acabar com vícios muito enraizados que todos os profissionais têm. A culpa das deficiências da justiça não é apenas deste ou daquele grupo profissional. É de todos. E cabe a todos - onde se incluem advogados e magistrados - lutar contra essas deficiências. É tempo de perdermos o vício de dizer mal de tudo e passarmos a fazer alguma coisa de concreto para ajudar a mudar. É isso que o Círculo quer.
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